Um escritor que se estreia no romance com um romance sobre um escritor que se estreia no romance é território habitado. A metáfora das bonecas russas é recorrente na literatura, mas em "Adius" (Abysmo, 2020), o romance inaugural de Vasco Gato, rompemos novas fronteiras. O livro é o objeto mágico que leva o narrador a procurar os territórios que nunca quis habitar, decidindo, por fim, jogar à roleta com a vida e rememorar zonas de afeto difuso da infância e adolescência.
Vasco Gato é poeta e, também por isso, dá, com "Adius", lições aos romancistas. Lições de construção de personagens, de desarrumo de diálogos, de síntese e de subtração – há precisão de puzzle (ou de poema?) no emprego das palavras, encaixando as arestas de umas nos limites das outras sem nunca se sopearem.
Este livro foi esquecido nas prateleiras dos lançamentos pela pandemia e por tudo o que desabou sobre as nossas vidas nos últimos tempos, sob a forma de um caterpillar que esmaga e compacta as rotinas à passagem. "Adius" merece sobressair na argamassa cinzenta em que se tornaram os dias indistintos e ser recuperado. A obra é testemunha da pós-modernidade que hesita em tropeçar nos próximos passos. O narrador dá-se ao luxo, nos dias que correm, de escolher sobre a distância a percorrer.
30/03/2020 às 11:27